A Justiça do Rio aceitou pedido da Americanas e a varejista entrou em recuperação judicial, instrumento jurídico que procura garantir a sustentabilidade financeira da empresa e ajudar fornecedores, trabalhadores, clientes e Estado. Ao reconhecer dívida de R$ 43 bilhões com cerca de 16,3 mil credores, a Americanas informou que a medida foi necessária para “reduzir o impacto” da divulgação, há oito dias, de “inconsistências” contábeis de R$ 20 bilhões. A companhia admitiu ter perdido “quase 80% de valor de mercado” em menos de uma semana. Ontem, suas ações fecharam em R$ 1. Em valor, o pedido de recuperação judicial é o 4.º maior da história no País, atrás de Odebrecht (R$ 89 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões). A empresa afirmou que seguirá operando dentro das novas regras.
Em maio de 1929, a Lojas Americanas fez sua inauguração no Rio com uma propaganda voltada as “senhoras chiques” que poderia comprar meias importadas e louças finas por preço máximo de dois mil réis. Ontem, quase 94 anos depois, quando teve seu pedido de recuperação judicial aceito pela Justiça, o valor daquela época conseguiria comprar 246 ações da rede varejista. A companhia reconheceu ter uma dívida de R$ 43 bilhões com cerca de 16,3 mil credores.
Segundo a empresa, a medida foi necessária para “reduzir o impacto” da divulgação, em 11 de janeiro, de que a empresa havia encontrado “inconsistências” contábeis. Na data, Sergio Rial, seu então presidente, deixou o cargo dez dias após assumi-lo e anunciou um rombo no caixa de R$ 20 bilhões.
No pedido de recuperação feito na 4.ª Vara Empresarial do Rio, a Americanas diz ter perdido “quase 80% do valor de mercado” em menos de uma semana. Ontem, suas ações fecharam a R$ 1 – no dia anterior à divulgação do rombo, eram cotadas acima de R$ 12. A varejista pediu um prazo de 48 horas para apresentar a lista com todos os credores.
O pedido é o quarto maior da história no País em relação ao valor da dívida. Fica atrás apenas de Odebrecht (R$ 89 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões).
A recuperação judicial é um instrumento jurídico que procura garantir a sustentabilidade financeira da empresa e ajudar também fornecedores, trabalhadores, clientes e Estado.
A empresa afirmou que continuará operando normalmente dentro das novas regras. Ela destacou a criação de um comitê independente e a contratação do banco Rochschild para apurar “eventuais irregularidades” em suas operações. Com o pedido aceito pela Justiça, a companhia tem até 60 dias para definir os meios de recuperação a serem adotados, sua viabilidade econômico-financeira e o laudo de avaliação dos bens do grupo.
Em sua decisão, o juiz Paulo Assed Estefan disse que o caso se trata de “uma das maiores e mais relevantes recuperações judiciais ajuizadas até o momento no País”. “Não só por conta do seu passivo, mas por toda a repercussão de mercado, pelo aspecto social envolvido, dado o vultoso número de credores, de empregados diretos e indiretos, bem como o relevante volume de riqueza e tributos gerados”, disse. Segundo ele, uma eventual falência da empresa “pode acarretar o colapso da cadeia de produção do Brasil.”
O juiz afirmou ainda que o processo de recuperação não deve se confundir com as “alegações de fraude e má-fé” contra os gestores, mas proteger a atividade econômica da empresa.
Ele escolheu como administradores judiciais da ação os advogados Bruno Rezende e Sergio Zveiter. O administrador é uma espécie de assessor do magistrado nesses processos e busca entender a situação fiscal da empresa, além de listar todos os seus credores.
CARIOCA. A Americanas foi inaugurada em 1929 inspirada nas lojas de cinco e dez centavos que fizeram sucesso no início do século 20 nos Estados Unidos e em países da Europa. Um navio aportou no Rio com quatro americanos que tinham a ideia de abrir uma loja do tipo “pegue a mercadoria e pague no caixa” em Buenos Aires. Ficaram na cidade durante o Carnaval e resolveram ficar no Brasil.
A Americanas tem 3,6 mil lojas, cerca de 50 milhões de clientes e gera aproximadamente 100 mil empregos diretos e indiretos, segundo a empresa. Até o ano passado, o grupo tinha mais de 140 mil investidores pessoa física na Bolsa. Em razão da recuperação judicial, a varejista terá seus títulos excluídos de todos os índices, incluindo o Ibovespa. A supressão está prevista para acontecer hoje, após o encerramento do pregão regular.
LIQUIDEZ. Ao comentar o pedido de recuperação, a Americanas disse, em nota, que seus acionistas de referência, o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, pretendem desembolsar valores não especificados para permitir o “bom funcionamento de sua operação”. O objetivo é manter empregos, pagamento de impostos e a “boa relação com seus fornecedores e credores e investidores”, segundo a nota.
Os acionistas já haviam divulgado a intenção de injetar R$ 6 bilhões, mas o valor foi considerado baixo. O mercado prevê a necessidade de até R$ 15 bilhões. Na nota, a Americanas pediu o engajamento dos colaboradores e “principalmente dos fornecedores” com quem diz ter relações históricas.
BANCOS. Com a recuperação judicial, as negociações da companhia com os bancos credores foram paralisadas e só poderão continuar no âmbito do processo. Isso significa que eles terão de esperar. Estimase que a dívida da companhia só com as instituições financeiras seja de cerca de R$ 18,5 bilhões. Após o anúncio do rombo no caixa, bancos declararam o vencimento antecipado de dívidas e, para liquidá-las, recorreram a depósitos que a empresa tinha.
Ainda ontem, a defesa da Americanas solicitou que os bancos fossem obrigados a devolver recursos bloqueados. No pedido, a empresa alegava que possuía apenas R$ 250 milhões em caixa para honrar os pagamentos. Um dia antes, o valor era de R$ 800 milhões. Antes do anúncio do rombo, era de cerca de R$ 8 bilhões.
A Justiça aceitou o pedido e determinou a devolução em até seis horas dos valores retidos pelos bancos, sob pena de multa de até 10% do valor. A decisão, porém, não vale para o BTG, o único que obteve decisão judicial favorável para reter recursos.
CVM. Ainda ontem, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu um novo processo administrativo para apurar os eventos relacionados à Americanas e à auditoria PwC, após denúncia da Associação Brasileira de Investidores (Abradin). Já é o quinto procedimento instaurado sobre o caso.
Por Correio do Povo