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Um ano após tragédia, crianças de Petrópolis carregam traumas

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Entre as principais vítimas, elas ainda lembram do temporal que matou 44 delas, além de tirar casas, amigos e segurança

Um menino brinca no quintal. Para, olha as nuvens carregadas por trás da rocha que se ergue sobre as casas de telhado de zinco e corre chorando para o colo do pai. Aos 3 anos, mal fala, mas já sabe ler o céu. Uma mãe está no sofá abraçada aos filhos de 8 anos e 4 anos. Sem ter por onde, ela tenta acalmá-los. Estavam na porta do condomínio, prontos para sair, quando a chuva chegou. Um ano após o temporal que deixou 241 mortos em Petrópolis, a dor da maior tragédia já registrada na cidade se transformou em medo e, por vezes, pânico na rotina das crianças.

Naquele 15 de fevereiro, 44 delas morreram. A mais nova: um bebê de 17 dias. Para outras tantas que escaparam com vida, resta o trauma, sobretudo na primeira infância (0 a 6 anos). Este é o período em que o cérebro está se formando e uma explosão de sinapses começa a dar contornos ao que será o futuro adulto. É também o período em que a criança necessita de um ambiente seguro e acolhedor.

Na cidade de 306 mil habitantes da região serrana, essa formação vem sendo interrompida e afetada abruptamente desastre após desastre. Deslizamentos, inundações, perdas materiais, deslocamentos forçados e mortes, às centenas. A contar de 2000, 443 pessoas foram vítimas das consequências de um clima cada vez mais extremo. Em 2022, no dia da tragédia anunciada, Petrópolis recebeu 530 mm de chuva em 24 horas. Isso é mais do que o dobro da média histórica.

CHORO. Mas, por enquanto, o garoto Enzo sabe apenas que nuvens carregadas, vento forte, trovões e barrancos lhe metem medo. Com razão. Sua casa está a menos de 50 metros do principal ponto de desabamento no epicentro da tragédia petropolitana: o Morro da Oficina. “Quando chove meu filho começa a chorar. Se ele vê uma barreira, acha que vai cair e me diz: ’Sai daí, mamãe, vai cair tudo’. Se ele vê uma árvore balançando então…é tenso”, afirma Daiana Costa, de 32 anos, sua mãe. Nesta quartafeira, quando o desastre que ela assistiu da janela do quarto completar um ano, Daiana levará Enzo ao posto de saúde. O menino será atendido por um clínico-geral. A mãe confia que dali saia com um encaminhamento para levá-lo a um psicólogo e um fonoaudiólogo também do SUS. “Desde o desastre, ele começou a gaguejar.”

Do outro lado da cidade, Aline Bernardes terá de se desdobrar para distrair a atenção dos filhos Mateus, de 8 anos, e Maria Eduarda, de 4 anos. A família teve de abandonar a casa em que vivia, no Alto da Serra, e se mudar para um apartamento. Graças ao plano de saúde do pai, as crianças são acompanhadas por um psicólogo. “Meu filho já tinha crises de ansiedade por causa da pandemia. Quando veio a chuva foi pior, as crises foram mais intensas, passou a ter um ‘tic’ na mão e a acordar de madrugada pedindo socorro”, afirma a mãe. “Já a Maria Eduarda começou a ficar com medo de chuva. Hoje mesmo já estava na portaria quando começou a chover forte. Tive de voltar e ficar acalmando eles”, diz.

AUSÊNCIAS. Nos primeiros meses após o desastre, a procura por atendimento nos CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), do SUS, explodiu até 569% em algumas unidades de Petrópolis. Em março de 2022, a saúde mental das pessoas atingidas direta ou indiretamente pelos alagamentos e deslizamentos na cidade foi tema de uma audiência pública no Senado. Entre as famílias, pouco pareceu ter adiantado. “Não, não fizeram nada, não para a gente aqui”, diz Cristiane Gross da Silva, de 49 anos, que perdeu nove pessoas da família na tragédia. “Aqui nós somos 93 mortos, 54 casas destruídas”, diz ela como a se colocar entre os mortos. A cada 15 dias, ela volta à antiga Servidão Frei Leão, onde morava. Ali, em meio aos escombros, se tropeça em restos de brinquedos. Sobre a montanha de lama, o mato está crescendo. Mais algum tempo e tudo pode estar escondido pela vegetação. Até hoje, nenhuma obra foi feita. Qualquer um pode entrar, se arriscar entre as pedras e recolher a lembrança que quiser. Por que Cristiane segue voltando? “Aqui me sinto perto deles (dos entes perdidos)”, diz.

A ausência e a distância também afetaram a família de Isis Esteves da Silva Araújo, de 24 anos. Mãe de quatro meninas, Lara, Layla, Emily e Mellany, de 8, 7, 5 e 3 anos, ela viu a mais velha passar a ter um comportamento distinto desde a tragédia, quando abandonaram a casa em que viviam no meio da noite, com a água pelos joelhos. A família evita tocar no assunto, mas isso não impede que, por vezes, ela volte chorando da escola. “No quarto das meninas, caiu uma pedra em cima da cama das duas mais velhas. A minha cama dobrou no meio. A casa da minha irmã rolou sobre a nossa e levou metade”, afirma Isis. Com o aluguel social, se mudaram para uma casa em um bairro distante, mas Lara se mostra mais frágil emocionalmente, chorosa e com medo. A menina se queixa de saudade da casa antiga, dos amigos e primos que moravam ao redor. “Ela passou a ter autoestima baixa e a se emocionar com tudo.”

Psicóloga e acostumada a atender pessoas que passam por situações extremas em Petrópolis, Samira Younes Ibrahim vê nesses casos a continuidade da tragédia. Ao lado do também psicólogo Luiz Henrique de Sá, criou a Rede de Cuidados-RJ Psicologia em Emergências e Desastres, em 2011. “A primeira coisa a entender é que o desastre não acaba no ‘Dia D’, ele continua sendo vivido. Não dá para separar o que é objetivo do subjetivo”, diz. “O desastre de 2011 (que deixou mais de 900 mortos nas cidades da região Serrana do Rio) ainda continua para muita gente. Elas têm medo que isso volte a acontecer, outras perderam parentes, outras ainda têm algum familiar desaparecido.”

É o que vive Adalto Vieira da Silva, de 53 anos. Nesta quarta-feira, ele completa 365 dias sem conseguir localizar o corpo do filho Lucas, de 19 anos. Além dele, sua mulher e uma filha, de 5 anos, morreram no Morro da Oficina. “Aqui morreu muita, muita criança. Eu ainda consegui salvar duas que estavam no barro, dentro do que sobrou de um bar”, conta. “Não gosto nem que esses meninos me vejam porque a criança não precisa ver essa dor.”

Não olhar para ela, no entanto, não garante que desapareça. Homem de aperto de mão e voz firmes, Jamil Luminato, de 61 anos, sabe disso. Sua história com as chuvas e as tragédias começou em 1981, no Morro da Independência, quando resgatou um bebê dos escombros. Sua imagem, com a criança nua em seus braços, foi para a primeira página do Jornal do Brasil do dia seguinte. A fotografia, de Carlos Mesquita, ganhou o Prêmio Esso Regional daquele ano. A vida de Jamil, porém, pouco mudou em 32 anos. Em 2013, no mesmo morro, em mais uma chuva, Jamil perdeu a filha e dois netos, de 3 e 5 anos, em novo deslizamento de terra. Em 2018 foi a vez de seu irmão. “O que a gente faz? Segue em frente…mas não é fácil, nunca vai ser.”

Em busca de auxílio Procura por atendimento nos CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), do SUS, avançou até 569%

GOVERNO. A Prefeitura de Petrópolis afirma que concluiu 48 obras, além de ter 41 em andamento e outras 40 em licitação, incluindo a área no Morro da Oficina.

Fonte: pressreader.com/O Estado de S. Paulo

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Brasil já registra metade dos casos de dengue contabilizados em 2023

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Por Agência Brasil | foto Fabio Rodrigues-Pozzebom

Com 920.427 casos prováveis de dengue desde 1º de janeiro, o país já contabiliza mais da metade do total de diagnósticos da doença identificados por estados e municípios ao longo de todo o ano de 2023, quando foram registrados 1.658.816 casos.

Dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde mostram que, no ano passado, o coeficiente de incidência da dengue no país foi de 777,6 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. O coeficiente registrado atualmente é de 453,3 casos, sendo que o pico da doença, segundo autoridades sanitárias, ainda não foi atingido.

Em 2023, os estados com maior número absoluto de casos da doença eram Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo. Este ano, Minas Gerais segue liderando o ranking, com 311.333 casos. Nas posições seguintes estão São Paulo (161.397), Distrito Federal (98.169), Paraná (94.361) e Rio de Janeiro (71.494).

Os principais sintomas da dengue. Foto: Arte/EBC

Edição: Aline Leal

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Gás de cozinha: Preço médio cai 0,05% nesta semana

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Preço médio do gás de cozinha é de R$ 101,90 no Brasil

O preço médio do gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido como gás de cozinha no Brasil, é de R$ 101,90 nesta semana. Este valor corresponde a uma queda de 0,05% em relação à semana anterior. 

A redução pode ainda ser reflexo da decisão da Petrobras em reduzir os custos da gasolina e do GLP. Esta medida entrou em vigência em 1º de julho deste ano. 

Lorena, no estado de São Paulo, assim como Paranaguá, no Paraná, foram os municípios brasileiros com menor preço do gás de cozinha comercializado, a R$ 70. Este valor foi comercializado nos bairros Cidade Industrial e Jardim Ouro Fino, respectivamente. Em seguida, estão os municípios de Valparaíso de Goiás, em Goiás, que comercializou o combustível a R$ 73. 

O município que registrou preços mais altos foi Tefé, no Amazonas, em que o gás de cozinha foi comercializado a R$ 150. Em seguida estão Belo Horizonte, em Minas Gerais, a R$149, e Ilhéus, na Bahia, a R$147. 

Recife, em Pernambuco, é a capital mais barata, com o preço médio de revenda do GLP em R$ 89. Por sua vez, Belo Horizonte, em Minas Gerais, a mais cara, registrando preços de até R$ 149. 

Os dados são da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP. 
 

Fonte: Brasil 61

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Infecção por Covid-19 dá imunidade similar à vacina, afirma estudo

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Uma pessoa está tão protegida contra a Covid-19 após um contágio com o coronavírus como quando foi vacinada contra a doença, afirma um estudo publicado nesta sexta-feira, um dos mais extensos sobre o tema. “Embora uma infecção proporcione uma proteção que diminui com o tempo, o nível desta parece tão duradouro, ou até maior, que o conferido pela vacinação”, afirma o trabalho publicado na revista The Lancet.

A comparação é baseada nas vacinas de RNA mensageiro da Pfizer/BioNTech e da Moderna, que estão entre as mais eficazes contra a Covid-19 e que são as principais das campanhas de vacinação de muitos países ocidentais. O tema não é novo e muitos estudos já tentaram comparar os riscos de reinfecção, dependendo se a pessoa está vacinada ou já foi infectada.

Mas o trabalho publicado pela revista The Lancet tem uma dimensão sem precedentes. Compila quase 60 estudos pré-existentes, que remontam a vários anos e levam em consideração o surgimento, no final de 2021, da variante ômicron. Esta última é muito mais contagiosa que as antecessoras e capaz de infectar muitas pessoas vacinadas, sem que estas corram um risco elevado de sofrer uma forma grave da doença.

O estudo conclui que o mesmo acontece em caso de infecção anterior por coronavírus. A proteção é bem mais fraca contra a reinfecção com a variante ômicron, mas considerada sólida contra uma forma grave de Covid. Os resultados não significam que é indiferente ser vacinado ou infectado para adquirir uma primeira imunidade. É muito mais arriscado sofrer a doença, em particular no caso de pessoas idosas.

Fonte: Correio do Povo

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