O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chega à metade do mandato com 43,4% de aprovação e precisando explicar por que papéis sigilosos foram achados em imóveis privados. A crise ofusca vitórias recentes, como o controle democrata no Senado e recorde de empregos.
Não é exatamente pela sequência de vitórias políticas que conseguiu amealhar nos últimos meses, que incluem o recorde de empregos e o controle da inflação, que o presidente Joe Biden tem sido lembrado nos Estados Unidos no momento em que completa dois anos de governo.
Nas últimas semanas, o que tem ocupado as páginas do noticiário político, as entrevistas coletivas da Casa Branca e o bombardeio nos corredores republicanos do Congresso são os documentos confidenciais do período em que o democrata foi vice-presidente, na gestão Barack Obama (2009-2016), encontrados em um escritório ligado a ele e em sua casa.
Biden chega à metade de seu mandato em meio a mais uma crise, tendo que tentar explicar como papéis sigilosos do governo americano, de cujo conteúdo ainda não são conhecidos detalhes, foram parar em imóveis particulares, quando deveriam estar na posse dos Arquivos Nacionais. Como agravante, o caso veio à tona meses depois de seu maior adversário político, Donald Trump, virar alvo de uma investigação federal e acelerar um processo de fritura por fazer basicamente a mesma coisa — ainda que em escala maior e com diferenças importantes.
Não se pode dizer, porém, que o democrata não entende de crises. Ele assumiu como presidente há exatos dois anos, em 20 de janeiro de 2021, em meio à maior turbulência política da história recente do país. No período que antecedeu a posse, Trump contestou a derrota sem base na realidade, incentivou apoiadores a invadirem o Capitólio para evitar a certificação do resultado e viajou para a Flórida antes de transmitir o cargo, mantendo os ânimos de uma base radicalizada.
O período também era de pico da Covid-19, quando a doença matava mais de 3.000 pessoas por dia no país. Depois, Biden promoveu a saída das tropas do Afeganistão após 20 anos de guerra, em um movimento considerado desastroso, que lhe custou a popularidade de forma quase definitiva; viu a Rússia invadir a Ucrânia e liderou a ajuda ocidental a Kiev; enfrentou inflação recorde; e assistiu à Suprema Corte reverter um entendimento de décadas de que o direito ao aborto era constitucional, o que foi de encontro à sua agenda.
Nos últimos dez dias, após uma fase de vitórias políticas, o foco voltou para o democrata, quando o canal CBS revelou que advogados encontraram documentos confidenciais em um escritório —que, segundo a Casa Branca, ficava trancado— em uma unidade da Universidade da Pensilvânia que leva seu nome, o Centro Penn Biden para Diplomacia e Engajamento Global.
Na sequência, mais arquivos foram encontrados na casa do presidente, em Delaware, e o total de papéis armazenados indevidamente pode chegar a 20, de acordo com a CBS.
O governo tem sido acusado de responder ao caso de forma errática e questionado sobre por que não divulgou a existência dos arquivos quando eles foram descobertos, ainda no começo de novembro. Até a revelação pela imprensa, o caso ficou restrito à Casa Branca, ao Arquivo Nacional e ao Departamento de Justiça, que conduzia uma investigação preliminar.
Isso ocorreu menos de dois meses depois da operação de busca e apreensão que o FBI promoveu na casa de Trump na Flórida, na qual foram encontrados milhares de páginas, algumas delas marcadas como ultrassecretas. Na ocasião, Biden chamou o episódio envolvendo o antecessor de “totalmente irresponsável” —agora oferecendo um prato cheio para republicanos e o próprio Trump o acusarem de hipocrisia.
“O caso envergonha e remove uma vantagem que Biden tinha contra Trump”, diz o cientista político Jonathan Hanson, professor da Universidade de Michigan. “Mesmo que a magnitude do que estamos falando seja substancialmente diferente, no número de documentos que o ex-presidente tinha e no grau de cooperação, isso prejudica a capacidade de fazer comentários críticos.”
O democrata chega à metade do governo com 43,4% de aprovação, segundo o agregador de pesquisas do portal Fivethirthyeight. A cifra é pouco acima da que Trump tinha na mesma altura do mandato (40%), mas abaixo das de Barack Obama (49,6%) e George W. Bush (57,5%) —este, ainda gozando da popularidade que alcançou após a resposta aos ataques de 11 de Setembro de 2001. A taxa de desaprovação do atual presidente é de 51,3%.
Era tudo o que a nova Câmara, controlada pelos republicanos, precisava. Não à toa, Kevin Mccarthy chegou à presidência da Casa prometendo ter o governo na mira de apurações legislativas.
James Comer, novo presidente do Comitê de Supervisão, maior órgão de investigação da Casa, já pediu à administração federal a lista de visitantes da residência do presidente em Wilmington e todos os documentos e comunicações envolvendo as buscas dos papéis. Segundo ele, há “sérias implicações à segurança nacional” no caso.
Em termos políticos, a principal vitória recente de Biden foi ter mantido para sua legenda o controle do Senado nas eleições legislativas de novembro, as midterms, e conservado um número expressivo de assentos na Câmara —mesmo que a maioria tenha ido para o Partido Republicano.
Os democratas perderam nove deputados e ganharam um senador. Para efeitos de comparação, nas primeiras midterms em gestões passadas, os republicanos na era Trump perderam 40 deputados (ainda que tenham ganhado 2 senadores) e os democratas na era Obama perderam 63 deputados e 6 senadores.
George W. Bush, em meio à alta popularidade após os ataques às Torres Gêmeas, conseguiu ganhar assentos nas duas casas, mas, antes dele, Bill Clinton perdeu 52 deputados e 8 senadores nas primeiras midterms de seus dois mandatos.
O resultado não pode ser creditado totalmente ao atual presidente, já que outros fatores entraram na conta, como a resistência a candidatos radicais apoiados por Trump e a defesa do direito ao aborto. Mas os números não deixam de ser uma vitória e um alívio para o atual mandatário.
Outro grande alívio para Biden até agora vem da economia. O país tem conseguido controlar a inflação recorde. O aumento de preços acumulado em 12 meses passou de 9% em junho, antes de recrudescer para 6,5% em dezembro.
Por Correio do Povo