Mesmo geograficamente distante, os impactos da guerra da Rússia contra a Ucrânia vão trazer consequências que, mais cedo ou mais tarde, chegarão no bolso e na mesa dos brasileiros. O agronegócio é o mais impactado. Atualmente, o Brasil importa 90% dos fertilizantes usados em diferentes tipos de culturas agrícolas e uma parte significativa vem da região de conflitos ou passa por portos que não estão conseguindo escoar a produção.
Neste momento, a maior parte do agro brasileiro está colhendo a safra de soja e começando o plantio do milho. “Para plantar o milho safrinha esse adubo já está num galpão. Então essa lavoura que nós vamos colher de milho, em junho e julho, garante a safra 21/22”, tranquiliza Mauro Osaki, pesquisador da área de Custos Agrícolas do Cepea/USP.
O principal insumo do que o Brasil é dependente é o potássio. O maior produtor do mineral – que tem a função de auxiliar nas trocas energéticas entre solo e planta – é o Canadá, seguido da Rússia, Bielo-Rússia e China (que usa a maior parte de sua produção internamente). “O Brasil é um grande importador do Canadá, eu vou ter uma reunião com todo o pessoal deste setor para discutir com eles quais são as possibilidades do atendimento do aumento da nossa demanda”, informou a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. O Brasil tem uma reunião marcada para tratar do assunto no dia 12 de março.
O Canadá possui as maiores reservas conhecidas de cloreto de potássio no mundo e quatro empresas fazem a exploração. Para atender a demanda do Brasil será necessário mais investimentos do setor. Osaki explicou que há implicações no que diz respeito ao atendimento da demanda por questões de volume de produção e estimativa de tempo de fornecimento. Até o início dos conflitos, o Brasil adquiria cerca de 3 milhões de toneladas por safra da Rússia e da Bielo-Rússia.
“Qual é a garantia que o Brasil vai continuar comprando do Canadá? Vamos comprar metade do que nós precisamos no Canadá e ficar mais dependentes?”, pondera o pesquisador. O Ministério da Agricultura vai anunciar, até o dia 29 de março, um plano que promete trazer mais autonomia ao Brasil com relação aos fertilizantes necessários para os cultivos.
“Nós vamos ser independentes. Nós não vamos ter autossuficiência, mas mudar essa matriz. Então isso já vem sendo trabalhado pelo ministério há muito tempo”, assegurou a ministra Tereza Cristina.
Alternativas
Hoje o Brasil tem uma pequena exploração de potássio em Sergipe. Osaki apontou que o país tem o mineral na região Amazônica, mas que a exploração encontra barreiras na legislação ambiental. “Nós somos o maior celeiro do mundo. Temos tecnologia para área de produção, mas somos dependentes desses insumos.”, pondera.
O Brasil também importa fosfatados e nitrogenados, fertilizantes que também ajudam as plantas a buscar nutrientes do solo com maior facilidade. “É uma questão estratégica: para você garantir segurança alimentar você tem que ter insumos. Então nós não podemos ser tão dependentes se crescermos significativamente no nosso sistema, mas sempre dependente da matéria estrangeira”, enfatiza o pesquisador.
Para diminuir a dependência, alguns produtores já realizaram testes do plantio sem os fertilizantes. Osaki conta que há relatos de colheitas muito produtivas, mesmo sem o adubo. Segundo ele, institutos de pesquisa já possuem testes que diminuem a dependência dos fertilizantes. “Mas não foram aplicadas em larga escala e, como tinha o adubo muito disponível, o produtor não investiu.” Com a crise, há a possibilidade de avançar em tecnologias alternativas.
Oferta menor
Mesmo com a safrinha de milho garantida no Brasil, há risco de uma escalada de preços. Isso por que a Ucrânia é um grande produtor de milho e, por conta das condições climáticas, o calendário de plantio é muito reduzido no país. “Eles estão com outro problema porque boa parte da lavoura que vem da Ucrânia depende do capital estrangeiro. Então, a gente não sabe se vai ter investimento e se eles vão conseguir colher”, alerta Osaki. A Ucrânia também tem participação importante na produção de cevada, girassol e trigo.
Tradicionalmente, a safra de milho no Brasil é voltada para o mercado interno. “Mas com menos oferta, o preço sobe e o produtor vai preferir exportar”, pondera. A safra de milho traz impactos na avicultura e na suinocultura. “Não é de imediato que o reflexo chega nas gôndolas do supermercado, mas ele virá.”
Fonte: Brasil 61