Uma criança yanomami, de 1 ano e 5 meses, morreu neste domingo (5) na região de Surucucu, em Roraima, com quadro grave de desidratação e desnutrição. O mau tempo impediu que o menino, bastante debilitado, fosse transferido para a capital Boa Vista.
Já o controle do espaço aéreo e a decisão anunciada —ainda que sem data— de retirada da Terra Indígena Yanomami fizeram com que garimpeiros deixassem o lugar ou tentassem fugir. Voo clandestino de helicóptero passou a custar R$ 15 mil por pessoa.
são paulo Uma criança yanomami, de um ano e cinco meses, morreu neste domingo (5) na região de Surucucu, em Roraima, com quadro grave de desidratação e desnutrição, além de problemas respiratórios.
O menino, bastante debilitado, deveria ser transferido para um hospital em Boa Vista. No entanto, a viagem ficou impossível por causa do mau tempo na região.
O bebê, que é da comunidade de Pahayd, na região do Haxiu, havia sido levado ao posto de Surucucu no sábado à tarde. A região tem sido ponto de referência na área de saúde.
A morte ocorreu por volta das 12h30, segundo o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami.
“A criança chegou com desidratação, desnutrição, cansaço, e os médicos cuidaram à noite toda em Surucucu. Já tinha autorização para remoção, com urgência, para Boa Vista, e a chuva não permitiu”, afirmou Hekurari Yanomami, bastante emocionado.
“É muito triste, muito triste, os profissionais fizeram de tudo para salvar a criança.”
Os yanomamis vivem uma severa crise sanitária, o que fez o Ministério da Saúde decretar emergência em saúde pública de importância nacional no último dia 20.
Um inquérito foi aberto pela Polícia Federal para investigar crime de genocídio. Serão investigados garimpeiros e operadores da logística do garimpo, coordenadores de saúde indígena no governo passado e agentes políticos, o que pode incluir o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com estudo financiado pelo Unicef e realizado em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o Ministério da Saúde, o território yanomami sofre com o aumento da malária e com a desnutrição infantil crônica, que atinge 80% das crianças até cinco anos.
De acordo com médicos, a desnutrição é ainda mais prejudicial à saúde de crianças e idosos, naturalmente mais suscetíveis a infecções.
Com a falta de alimentação, o corpo inicia um processo para tentar obter nutrientes no próprio organismo. Primeiro, consome a reserva de gordura. Depois, passa a consumir os próprios músculos.
O processo de desnutrição leva a uma redução da força e ao funcionamento inadequado do corpo, que vai tentando ao máximo preservar as funções vitais. O organismo prioriza a respiração, os batimentos cardíacos e a atuação dos rins e do fígado, mas, se a fome permanece, eles tamves. bém começam a falhar.
Especialistas dizem que, se o quadro for grave, não é possível revertê-lo de imediato. O tratamento, inicialmente, consiste em pequenas refeições e várias vezes ao dia.
Fuga leva à inflação de preço de voo clandestino
Boa vista O controle do espaço aéreo, a maior presença do Estado e a decisão anunciada —ainda que sem data— de retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami levaram a uma mobilização de grupos de invasores do território. Eles passaram a deixar o local ou a tentar fugir de alguma forma.
O movimento é acompanhado por integrantes da Polícia Federal, que confirmam a intensificação das fugas dos garimpos nos últimos dias. O quadro já foi detectado também pelo primeiro escalão do governo federal, que declarou estado de emergência em saúde pública na terra indígena no último dia 20.
Os garimpeiros enfrentam uma inflação nos preços dos voos clandestinos de helicóptero para sair do território, cobrados pelos próprios garimpeiros donos de aeronaUm voo passou a custar R$ 15 mil por pessoa, conforme relatos de invasores levados em conta no monitoramento feito pela PF.
Parte dos garimpeiros tenta chegar à Venezuela, segundo integrantes da PF, e há movimentos de fuga para a Guiana, longe da terra indígena.
Parte do território yanomami está na fronteira com a Venezuela. Uma das regiões mais atingidas pela crise de saúde, com explosão de casos de malária e desnutrição grave, é Auaris, que fica próxima da fronteira. O garimpo ilegal de ouro avançou tanto, com a conivência e o estímulo do governo Jair Bolsonaro (PL), que chegou até comunidades de Auaris.
Garimpeiros tentam sair também em barcos. Outros dizem estar ilhados, sem condições de sair do território e com mantimentos no fim.
Passaram a ser mais frequentes caminhadas pela mata –chamadas de varadouros– até pistas clandestinas, na expectativa de voos que permitam a saída do lugar.
A presença de mais de 20 mil garimpeiros na terra yanomami, por tanto tempo, foi possível em razão da quantidade de voos clandestinos que operam no território. Mesmo com a declaração de emergência, com a maior presença de equipes de saúde em Auaris e Surucucu e com a atenção voltada à crise, o garimpo realizava mais de 40 voos diários.
No último dia 1º, a FAB (Força Aérea Brasileira) deu início a um controle do espaço aéreo na terra indígena, a partir de um decreto do presidente Lula (PT) que ampliou o poder de atuação do Ministério da Defesa e permitiu a criação da Zida (Zona de Identificação de Defesa Aérea).
Em uma área ficaram proibidas aeronaves, a não ser militares ou relacionadas à operação de emergência. Foram especificadas áreas reservadas ou restritas. Radares móveis passaram a dar suporte a esse controle do espaço aéreo.
Garimpeiros que dizem estar ilhados e sem condições de deixar a terra indígena passaram a recorrer ao governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), que defende a atuação dos invasores. O governador passou a interceder pelos garimpeiros, inclusive junto ao governo federal.
Denarium afirmou à Folha no último dia 29 que os indígenas “têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”. O Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar a fala do governador, por ter identificado potencial discriminatório no que ele disse.
Garimpeiros têm usado os indígenas de aldeias próximas aos garimpos para tentarem apoio na saída do território. Em vídeos, eles dizem que ajudam os yanomamis.
Neste sábado (4), o Governo de Roraima divulgou vídeos que circulam pelo WhatsApp com registro dos movimentos feitos por garimpeiros, e encampou os pedidos.
“São homens, mulheres e crianças que, tendo conhecimento das operações que deverão ocorrer nos próximos dias, resolveram se antecipar e evitar problemas com a Justiça”, diz nota do governo local.
Denarium, que é bolsonarista, fez contato com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio (Defesa) para avisar o que estava ocorrendo na terra indígena e pedir apoio do governo federal no “recebimento e incentivo a esses trabalhadores que desejam sair de forma espontânea e pacífica”.
Fonte: pressreader.com/Folha de São Paulo